Curadoria

Utopias consolam, são espaço inexistente, liso, de acesso quimérico. Heterotopias inquietam, fracionam e emaranham os nomes. São utopias transmutadas em realidade, onde o processo de estabelecimento ou ressignificação pode muitas vezes justapor espaços incompatíveis como um festival de arte expandida em ambiente virtual. 

 Se manifestam também em sua dimensão temporal, no acúmulo de saberes dos museus e bibliotecas, na eventualidade das feiras e mostras e na passagem transformadora das escolas. É o lado de fora de um livro aberto. É a ilusão que ilumina as ilusões ou ainda a compensação que desvela a insuficiência dos espaços. 

Na V Janela Quebrada – cinema experimental e outras artes de invenção e risco, buscamos uma programação panorâmica, que acumulasse as diversas experiências que tentam responder a um tempo estéril, dentro de um período deveras fugaz para tanto. Um contra-espaço para onde convergem realidades ignoradas pela pauta principal. Espaço-entre, do sonho e da vigília, do canto e da guerrilha.

Distinto e público

Entre a terra e o oceano, no espaço coabitado pelo último feixe de areia/pedras/falésias e a quebra das ondas salgadas, a iminência do fim e do começo permeia o encontro. As artes à margem existem à margem de que e quem? O que agenciam? As fronteiras que elaboram o hegemônico em hegemônico e o periférico como periférico, comunicam que ordem de símbolos e significados?

 Como receber a expansividade das manifestações estéticas e narrativas de invenção e risco, dentro das janelas bidimensionais? Será possível emular a vastidão das mídias para pensar a expansão da arte por suas múltiplas práticas e desafios; evocar “a pura utopia, o desespero, o deboche e até mesmo o recorrente pragmatismo do mercado” característico dos cinemas de invenção e risco?

 Pensar a produção recente na sua singularidade e ao mesmo tempo colocá-la em relação a essas fronteiras e significados pode se mostrar um exercício de contraposições, de movimentos contraculturais versus contra-revoluções, de contrastes e saturação. 

 Podemos afirmar que as narrativas que se estabelecem como centro hegemônico hoje se pautam por sistemas de vigilância, pela mineração de terras e de dados, por tsunamis de lama e de mortes, por revisionismos históricos que negam problemas drásticos como a crise climática, o racismo ou o genocídio dos povos originários. Em nome da eficiência, a desumanização, o darwinismo social, a violência. 

 Mergulhados em um pesadelo distópico, nossa pulsão de vida segue o caminho da resistência pela criação. Busca afirmar o delicado, o poético, o sopro vital que em seu fôlego carrega a potência dos gritos, dos cantos, das vozes que se lançam das margens dessas narrativas para edificar em seus centros próprios, seus corpos utópicos, sua existência.